segunda-feira, 10 de março de 2014

Pesquisas: marketing ou estratégia?

O mês de Fevereiro marcou o início das pesquisas para a corrida eleitoral de 2014, tanto em Goiás quanto no restante do Brasil. Qual a real importância de se saber, com tanto tempo até as eleições de Outubro, dos resultados das pesquisas? Até que ponto os resultados de pesquisa apresentados, muitas vezes através de números e gráficos, são capazes de esclarecer? Trata-se apenas de uma curiosidade momentânea ou aqueles dados podem ser convertidos em informação estratégica? Veremos a seguir alguns destes questionamentos.

As pesquisas políticas de intenção de voto apresentadas corriqueiramente na mídia são feitas quantitativamente, ou seja, são adotados critérios estatísticos para “medir” determinadas opiniões, visões e características da sociedade. Assim, a pesquisa cumpre o papel de definir, a partir de parâmetros estabelecidos, a presença de determinados extratos na sociedade, bem como mensurar determinadas preferências do eleitor.

Para se chegar aos resultados apresentados na mídia os dados devem antes ser coletados. As formas mais comuns são através de entrevistas presenciais ou por telefone. A etapa seguinte diz respeito ao tratamento dos dados, ou seja, a junção dos dados obtidos de forma a totalizar a amostra estabelecida e posterior apresentação e análise dos dados.

A apresentação dos resultados de uma pesquisa pode parecer, num primeiro momento, como o ponto de término da pesquisa. Diferentemente, é neste momento que se inicia a etapa mais importante de uma pesquisa, transformar os dados coletados em informações úteis aos possíveis interessados, sejam os atores políticos envolvidos ou os próprios eleitores. Existirá sempre o componente de curiosidade, saber quem está na frente, qual nome tem melhor aprovação, qual o candidato mais rejeitado, mas existem outras informações valiosas que podem ser extraídas de uma pesquisa.

Os resultados de uma pesquisa de intenção de votos não são definitivos, mas apenas um retrato estatisticamente fidedigno do momento. A partir desse cenário caracterizado na pesquisa é possível identificar as demandas dos eleitores, suas preferências e insatisfações, bem como as lacunas nas ações dos candidatos. Uma pesquisa permite, assim, perceber alguns pontos fortes e fracos dos candidatos. Os números em si não dirão muito, são as ações posteriores à divulgação dos resultados que poderão mudar. Uma pesquisa pode identificar um caminho a ser seguido, mas os interessados precisam primeiro enxergar este possível caminho, e a partir disto decidir seguir este caminho ou não.

O ferramental analítico e estratégico fornecido por uma pesquisa permite definir os próximos passos a se tomar. Apesar de não garantir que possíveis ações futuras sejam eficazes, as pesquisas fornecem uma direção segura a ser tomada. O grande óbice aí encontrado reside exatamente na dificuldade de se enxergar tal caminho. Para aqueles não versados em leitura de dados a dificuldade de enxergar direções apontadas é maior, e para não se incorrer em erros de julgamento comuns é preciso um estudo criterioso dos resultados. Ademais, as equipes de assessoramento dos candidatos têm esta incumbência: enxergar os caminhos e diretrizes sugeridas pelas pesquisas e definir a melhor forma de se seguir nesta direção.

A vida útil de uma pesquisa em ano eleitoral é curta, o cenário está em constante mudança. Entretanto, apenas um acompanhamento contínuo dos acontecimentos e tendências do eleitorado permitirá acompanhar a direção destas tendências e se as medidas adotadas surtiram o efeito desejado. Isto só é possível através de novas pesquisas.

Informação estratégica

Apesar da intenção de votos ser amplamente divulgada neste período, esta informação não é a mais importante neste período de pré-campanha. É relevante neste momento para atrair financiamentos, preparar, consolidar e estimular a base política de apoio e principalmente permitir a construção de acordos eleitorais para o aumento do tempo de campanha. Estrategicamente, entretanto, existem outras informações mais úteis, notadamente os índices de avaliação das atuais administrações e o desempenho dos atuais governadores e presidente, principalmente quando se busca a reeleição.

Para aqueles que buscam a reeleição é fundamental ter índices de avaliação elevados para não fomentar sentimentos de mudança no eleitorado. Caso os índices de aprovação apresentem resultados desfavoráveis ainda será possível tentar melhorá-los antes da corrida eleitoral propriamente dita, uma vez que ainda há tempo para se reverter tendências negativas.Para a oposição, por outro lado, é o momento de se aproveitar de uma insatisfação, seja ela momentânea ou duradoura, e explorar este sentimento do eleitorado, demonstrar que a mudança será melhor que a continuidade.

As pesquisas publicadas nacionalmente, bem como as pesquisas GRUPOM/Tribuna do Planalto, até o momento demonstram que o eleitorado não está plenamente satisfeito com a administração de Dilma Rousseff, com aprovação muitas vezes igual ou inferior a 50%. É um número alarmante para quem busca a reeleição, momento dos estrategistas do governo federal agirem e tentarem demonstrar para o eleitor que a mudança no cenário nacional não será positiva e a melhor opção é a reeleição de Dilma.

Cenário em Goiás

A avaliação positiva da administração do governador Marconi Perillo nas cidades de Rio Verde, Aparecida de Goiânia e Anápolis também se aproxima de 50%, de acordo com as pesquisas GRUPOM/Tribuna do Planalto. Alguns especialistas em marketing político costumam apontar que 40% de aprovação é o número limite para aqueles que buscam a reeleição. Há ainda alguns estudiosos que consideram o índice de aprovação próximo a 60% o nível seguro para se disputar a reeleição. No caso de Aparecida de Goiânia e Anápolis a aprovação está próxima a este limite de 40% na interpretação mais tolerante e flexível dos especialistas. A gestão de Marconi Perillo frente ao Governo de Goiás precisa melhorar caso o governador tenha pretensões de disputar a reeleição sem correr o risco de ser engolido pelo sentimento de mudança que paira em Goiás.

O cenário eleitoral atual em Goiás apresenta dois nomes conhecidos e três nomes desconhecidos do eleitorado. A comparação de intenção de votos, num quadro como este, demonstra-se demasiadamente superficial e transitória. A preocupação agora não é com intenção de votos, como aponta a história recente das eleições goianas, em que nomes desconhecidos e com baixa intenção de votos no início do período eleitoral despontaram como favoritos e venceram suas eleições para Governador. O foco estratégico da interpretação e uso das pesquisas neste momento demanda que se enxergue e dimensione os sentimentos de mudança ou continuidade de forma a tentar potencializá-los a favor dos interessados. Ainda há tempo para agir, mas é preciso informação estratégica para saber como fazê-lo, e apenas pesquisas periódicas e leituras criteriosas do cenário conseguirão atender a essa demanda por informação, de forma a entender se hoje o eleitorado quer renovação, continuidade ou está apenas cansado.Pesquisa também é marketing, mas agora é o momento de se pensar e agir estrategicamente.
Leandro Rodrigues (leandro.rodrigues@grupom.com.br) é doutor em Ciência Política, pesquisador da UnB e analista de política da Grupom  

quarta-feira, 5 de março de 2014

A régua da hora é a do futebol

Por Alberto Carlos Almeida

Nelson Rodrigues eternizou o complexo de vira-latas como sendo um monumental complexo de inferioridade que nós, brasileiros, sentimos quando nos comparamos com outras nacionalidades, em particular com os naturais de países europeus ou da América do Norte. Ele afirmou que não encontramos razões históricas ou até mesmo pessoais para cultivarmos a autoestima quando nos comparamos com os países desenvolvidos. É fácil imaginar por que Rodrigues viu uma explosão de autoestima quando fomos campeões em 1958. Pela primeira vez, o Brasil era melhor do que os povos desenvolvidos em algo que é valorizado por nós e por eles.
Ser inferior ou superior depende sempre da régua, depende sempre daquilo que se mede. A China é a campeã mundial, e sempre será - a não ser que o país se esfacele em vários -, em termos populacionais. A Rússia tem o maior território, os Estados Unidos têm o maior PIB, talvez a França tenha os melhores vinhos e a Itália, as melhores massas. Da mesma maneira, do ponto de vista individual, há os mais ricos, os mais inteligentes, os mais felizes. Tudo isso pode coincidir em uma só pessoa, mas o mais provável é que não seja assim.


No que diz respeito a países, a comparação se torna mais complexa quando adicionamos a história. Pela régua econômica, a Coreia do Sul foi até muito recentemente um país subdesenvolvido e se tornou parte do clube dos países desenvolvidos. Não se sabe o que se perdeu nesse processo. Terão sido eles mais alegres no passado? Não importa. Ora, não importa se considerarmos que algumas réguas de medição valem mais do que outras. O desenvolvimento econômico e a riqueza per capita são mais valorizados do que, por exemplo, ter a melhor culinária. Muitos dirão que o julgamento da culinária é inteiramente subjetivo, ao passo que o desenvolvimento se mede por meio de números. Isso é tão verdadeiro quanto afirmar que escolher uma régua de comparação e não outra também é subjetivo.
Max Weber consagrou a análise que aponta o predomínio das relações econômicas sobre as antigas relações de parentesco, locais, de vizinhança, entre outras. Hoje, quando alguém pergunta o que fazemos, respondemos dizendo qual é nossa profissão e com o que trabalhamos. Nem sempre foi assim. Foi-se o tempo em que nossa identidade principal era conferida pelo pertencimento a uma tribo, ter nascido em determinada cidade ou região, ou ser membro de uma família ou clã. Após o surgimento do protestantismo, os sobrenomes, ou nomes de família, passaram a ter como base a profissão. O sobrenome mais comum no Reino Unido e nos Estados Unidos, Smith, vem da profissão de ferreiro. Já o sobrenome mais comum em Portugal é o mesmo deste colunista, Almeida, e significa planície, chão plano ou mesa. Não tem nada a ver com profissão.
Não pertencemos à tradição protestante, luterana ou calvinista, muito menos somos parte da família de países anglo-saxões, mas o mundo, e não somente nós, brasileiros, é constantemente mensurado pela régua do sucesso econômico. Os brasileiros acreditam ser piores do que as nações desenvolvidas quando mensurados pela régua do sucesso econômico. A grande maioria de nossa população, 58%, considera que o Brasil é um país mais pobre do que Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos. Somos piores do que eles também em um atributo frequentemente associado ao desenvolvimento, a capacidade de organização: 49% dos brasileiros têm a percepção de que somos menos organizados. Diante dessa autoimagem, aqueles que ainda acreditam em uma Copa do Mundo organizada deveriam deixar de lado suas esperanças.
Se a régua for outra, a visão que temos de nós mesmos em nada se assemelha ao complexo de vira-latas; é o oposto. Nada menos do que 80% dos brasileiros acham o país mais alegre do que Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos. Pensamos da seguinte maneira: somos pobres, mas somos felizes. Outra leitura é que acreditamos que de nada adianta ser rico se a vida não for alegre. O Carnaval está aí e não se vê nada semelhante nos países desenvolvidos. Os brasileiros admitem que a vocação de nosso país não é o sucesso econômico, mas desfrutar de uma vida alegre. Isso é reforçado pela visão de 71% da população de que, em se tratando de futebol, somos melhores do que eles.
Estão aí os ingredientes de uma Copa do Mundo de sucesso no Brasil: ser mais alegre do que os outros e ser melhor no futebol. É preciso mais? Se a resposta for afirmativa, então caminharemos para o fracasso - porque não seremos capazes de prover para a Copa uma organização germânica ou saxã. De alguma maneira, é essa a exigência que a Fifa nos faz. A sede da entidade máxima do futebol é na Suíça de Calvino. Nada contrasta mais com o Brasil. É bem provável que os dirigentes da Fifa considerem que já relaxaram bastante seus critérios e exigências para o Brasil. Creio que poderiam relaxar mais ainda e poderiam passar a exigir de nós aquilo que fazemos melhor.
Surpreende a incapacidade de nossa elite de tirar proveito de um evento como uma Copa do Mundo. Diante de nossas características nacionais, diante de nossa autoimagem, o mais adequado seria buscar ressaltar nossos pontos fortes e deixar de lado nossas fraquezas. Os americanos não divulgaram aos quatro cantos que aqueles que fossem assistir lá à Copa de 1994 corriam o risco de serem assassinados por um "serial killer" ou mesmo de serem vítimas em massacres semelhantes ao de Columbine. Menos grave, não disseram que seria grande o risco de ser processado por assédio sexual se, ao comemorar um gol de sua seleção, o torcedor tentasse abraçar ou beijar uma americana que estivesse ao seu lado.
Todos os países têm virtudes e defeitos. Um grande evento tem o alcance de aumentar no longo prazo a visibilidade do país e, com isso, o fluxo de turistas estrangeiros. Se for assim, todos ganham. A melhor maneira de atingir esse objetivo é salientar as virtudes e esquecer os defeitos. Mas nossa elite e grande parte de nossos formadores de opinião fazem justamente o inverso. Trata-se do famoso tiro no pé. Copa do Mundo e Olimpíada são eventos raros, únicos. Dificilmente o Brasil será novamente sede de tais competições. É difícil compreender porque não poderíamos tirar o maior proveito possível de ambos.
O gasto com os estádios se tornou o grande símbolo de desperdício de recursos públicos. As mazelas que temos não seriam resolvidas se toda a energia e recursos investidos na Copa fossem direcionados para transporte, saúde e segurança pública. Os manifestantes que associam os gastos com a Copa a tais problemas deveriam ter como alvo a previdência. É para ela que vão os recursos que faltam em outras áreas.
Em alguma medida, há uma partidarização, ao menos junto a certos públicos, quando o tema é a Copa do Mundo. Aqueles que desejam que Dilma seja derrotada em outubro torcem para que a Copa seja um fracasso retumbante, que sua organização seja um desastre e que o Brasil seja eliminado, preferencialmente cedo, na segunda fase, quando tende a cruzar com Holanda ou Espanha. Diante disso, os protestos seriam inevitáveis e, a exemplo do que ocorreu em junho de 2013, a popularidade do governo despencaria e a oposição caminharia para vencer as eleições.
Façamos um exercício. Imaginemos que a Copa e a Olimpíada tivessem sido trazidas para o Brasil durante o governo Fernando Henrique e tivessem ocorrido também neste período. Pode ser que muitas das críticas hoje existentes não tivessem tanto eco. Note-se que a eventual partidarização da Copa do Mundo não beneficia ninguém, nem ao governo nem à oposição. Os protestos ocorridos em junho fizeram desabar a popularidade do governo Dilma, mas também de todos os outros governantes. Na época, a oposição não veio a público, nem para defender os manifestantes nem para atacar o governo. Isso não ocorreu por acaso. Todos estão no mesmo barco - tanto no que se refere aos protestos e seu alvo, quanto à Copa do Mundo e seus beneficiários.
Em tempo de Carnaval, vale recordar o verso de Noel Rosa ao defender a escola de samba de seu coração, a Vila Isabel, quando disse que a Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também. Apliquemos isso ao Brasil e admitamos que nós, brasileiros, não queremos ser melhores do que ninguém, só queremos mostrar que também somos capazes de fazer uma Copa de sucesso, à nossa maneira.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida

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